3 de janeiro de 2016

ECLIPSE TOTAL - Stephen King

eclipse total - stephen king
Eu queria que a primeira resenha do ano fosse de um livro que despertasse um sentimento bom, que fosse uma leitura agradável e que tivesse uma história interessante. Decidi escolher algo de Stephen King, Eclipse Total. Quase na metade do livro fiquei me perguntando se essa teria sido uma escolha ruim, mas logo percebi que foi a escolha certa.

SINOPSE

Os moradores de Little Tall esperaram trinta anos para saber o que tinha acontecido no estranho e escuro dia em que morreu o marido de Dolores Claiborne - o dia do eclipse total. A polícia agora quer descobrir o que aconteceu ontem, quando a rica e inválida patroa de Dolores morre subitamente. Sem outra escolha senão falar, Dolores faz sua confissão revelando o sofrimento contido que pode levar o coração de uma mulher ao ódio. Quando é acusada de assassinato, a tragédia está apenas começando. E o que vem em seguida somente poderia ser concebido por Stephen King. O autor revela os mais sinistros segredos e os mais abomináveis pecados dos homens e mulheres de uma cidadezinha encravada no Maine, guiando o leitor em uma viagem aos subterrâneos da vida puritana desse lugar.
A seguinte resenha contém, além de um comentário sobre o livro Eclipse Total, um breve comentário sobre sua adaptação.

LITTLE TALL, PINEWOOD E TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O AMBIENTE

Uma ilha não é o melhor lugar pra se matar alguém, posso afirmar a vocês. Parece que sempre tem alguém por perto, doido pra meter o nariz na vida da gente e logo quando menos estamos precisando disso. 
 Todo bom leitor de Stephen King sabe que ele primeiro gosta de nos situar no tempo e espaço: como o tempo aqui é psicológico decorrente ao fluxo de memórias de Dolores – mesmo ela tentando contar numa cronologia -, o espaço pelo menos é extremamente fixo. Ele vai nos inserindo nessa comunidade, falando sobre a pesca, a monotonia, o falatório dos vizinhos, como o destino de quem nasce em Little Tall é morrer em Little Tall. Uma cidade não muito diferente de muitas.

Fala ainda sobre Pinewood, a casa de veraneio dos Donovan, onde Vera, Jack e seus dois filhos passavam uma temporada por lá uma vez por ano. Ele [King] ainda nos mostra que a coisa mais impressionante que essa cidadezinha pode ter é a visão de pouco mais de dois minutos de um eclipse solar.

O TRÁGICO DEPOIMENTO DE DOLORES

No entanto, tem uma coisa que pra mim importa, e foi por isso que vim aqui, mordendo a minha própria isca. Não matei aquela cadela da Vera Donovan, e pouco importando o que pensem agora, pretendo fazer vocês acreditarem nisso.
Adoro quando um autor faz com o personagem narre a história em forma de depoimento ou confissão. O grupo de narradores de As Virgens Suicidas, a comunidade LGBT em Dois Garotos Se Beijando. Apesar de dizer que vai tentar nos convencer – afinal ela está nos contando sua história -, tudo que ela faz é sentar conosco numa sala e perguntar “quer ouvir a história da minha vida?”. Ela é direta, seca, não tem medo do que ela diga soe como alucinação, fala bem ou mal da vida dos outros moradores de Little Tall. Em alguns momentos demonstra traços de como sua personalidade foi transformada pela longa convivência com Vera.

Temos a participação indireta dos policiais a quem ela conta sua história, já que só sabemos o que eles falam pelas respostas que Dolores dá. Entendam: o livro é inteiramente contado por ela, todas as palavras. Vez ou outra ela pede um copo com água ou uma bebida. O melhor desse depoimento são as expressões e ditados que ela usa, as reflexões que ela faz sobre sua vida miserável.

Ela decide começar a contar sua história a partir da morte de Vera, depois partindo para o passado – para a acusação da morte de seu marido – e depois para o presente. É um fluxo de memória onde os capítulos não têm uma parada. Em certos momentos a história cai na monotonia, mas logo depois fica interessante novamente.

O último capítulo da história é o mais dramático de todos, é o apanhado geral. Dolores nos faz reviver tudo que ela sentiu desde quando começou a contar sua história, para no final encerrar com um “acredite se quiser, é isso e pronto”.

AS MÁSCARAS DOS RELACIONAMENTOS

Mais tarde suportei as pancadas, pensando que um homem batia na sua mulher de quando em quando, porque isso era apenas outra parte de ser casada - não uma parte muito atraente, mas naquela época, limpar privadas também não era um detalhe atraente da vida de casada, embora a maioria das mulheres cumpra essas tarefas, depois que o vestido de noiva e o véu forem guardados no sótão. [...]
Essa não é a primeira história que Stephen King fala sobre casamentos/relacionamentos que trago para vocês aqui no blog. Eu já havia comentado sobre o interessantíssimo conto Um Bom Casamento presente na coletânea Escuridão Total Sem Estrelas. Mas Eclipse Total fala sobre um tipo de casamento que podemos ver a qualquer momento nos jornais, na internet.

Em inúmeros momentos Joe deprecia Dolores, bate nela, se aproveita dela. É algo horrível de se ver, mas é algo que acontece todo santo dia.

Infelizmente Joe não ficava apenas nas agressões a Dolores!

UMA HISTÓRIA SOBRE MULHERES, SEJAM ELAS FORTES OU NÃO

— Às vezes, a gente precisa ser uma emproada ordinária para sobreviver — ela falou. — Às vezes, ser ordinária é tudo o que uma mulher tem como ponto de apoio. — Então ela me fechou a porta na cara... mas delicadamente. Sem bater.
 Não há terror! Há suspense, tensão, mas acima de tudo há drama. Não espere fantasmas (apesar de os fantasmas aqui são as lembranças que voltam para as assombrar), não espere zumbis ou algo do gênero. Essa é uma história sobre as dificuldades que uma mulher passa, assim como Vera (Judy Parfitt) diz em determinado momento do filme que este é um mundo machista no qual vivemos. Vemos duas mulheres que fazem/fizeram de tudo para se manterem firmes – até mesmo esconder os próprios sentimentos sob uma máscara de rudeza.

Dolores, uma mulher que tem um marido alcóolatra, abusivo, que só sabe fazer uma coisa na vida: arrumar as coisas (algo que é mostrado em várias cenas da adaptação, mas que no livro é dito por Dolores quando ela fala sobre seus trabalhos anteriores a Pinewood). É uma mulher muito segura de si. Trabalhando desde os 13 anos na casa dos outros para poder ganhar o necessário para o sustento dos três filhos, sempre pensando no futuro deles: eles iriam contrariar a regra de não nascer e morrer em Little Tall.

Em certo momento da obra, Dolores precisa ir no banco falar sobre os depósitos que ela vinha fazendo em contas nos nomes dos filhos. Há um problema envolvendo Joe e Dolores diz algo muito forte: se fosse ela, uma mulher, que tivesse feito o que Joe tinha feito, o gerente do banco iria ligar para Joe confirmando a ação; mas como foi Joe, um homem, que o fez, não era necessária uma confirmação da esposa, subentendo que ela não saberia nada sobre finanças. Ao dizer isso, Dolores faz com o gerente do banco fique calado e sem ter o que responder. Essa cena é forte demais para ser descrita, precisa ser lida e sentida!

A relação que primeiro tinha se iniciado como patroa-empregada, ao longo do tempo começa a se tornar uma amizade (mesmo que não expressada com todas as letras). Várias empregadas passaram por Pinewood, mas só Dolores ficou até o final com Vera, cuidando, além da casa, da patroa, quando esta não estava tão bem de saúde. No fim, Vera só tinha Dolores; e Dolores só tinha Vera.

UMA ADAPTAÇÃO TÃO LINDA QUANTO O FILME

dolores claiborne
O filme tem uma narrativa igualmente tocante a do livro, o que me surpreendeu bastante, já que eu não imaginava certos aspectos sendo adaptados. Como toda adaptação, essa não é 100% fiel: algumas coisas foram cortadas, outras mudadas, mas algo que é evidente é a mudança de foco das histórias: o livro foca em Dolores tentando mostrar o seu lado para três policiais, mostrando que ela pode até ter sido culpada de um assassinato, mas do outro não. Aquele depoimento não é uma confissão, mas um desabafo sincero. Já o filme mostra Dolores (Kathy Bates) tentando convencer sua filha de que ela é inocente, de que tudo que ela fez, foi para cuidar da família, num vaivém de memórias. Selena (Jennifer Jason Leigh) volta para Little Tall depois de 15 sem ver ou falar com a mãe e a encontra sendo acusada de assassinato – como há tantos anos antes.

O roteiro do filme é bem-sucedido em mostrar o quanto essa nova acusação pesa nos ombros de Dolores: uma mulher agora na casa dos sessenta, vivendo numa cidade onde as pessoas cochicham sobre ela sempre que podem. Uma mulher que acabou de perder sua melhor amiga e que acaba de se reencontrar com sua filha. A fotografia é linda e ajuda muito a criar a melancolia da história. Mudando de tons de azul/cores frias – quando a história se passa no tempo presente – para tons de vermelho/cores quentes – quando Dolores conta sobre o passado.

A maquiagem em Kathy demarcando os períodos de idade é linda, assim como o figurino.

dolores claiborne
Há uma cena em particular no filme que é linda demais para eu não deixar de comentar. No inquérito da morte de Vera, Selena, numa cena extremamente dramática, defende a mãe, para no final dizer “Eles não vão te machucar mais”, exatamente como uma mãe falaria para um filho pequeno que precisa de proteção.

Já sabia que havia uma adaptação do livro (e isso não me surpreendeu), mas não sabia que a protagonista Dolores era interpretada pela talentosíssima Kathy Bates (American Horror Story). Depois de saber isso, era como se ao longo do que lia, já imaginasse as frases saindo da boca de Kathy, que, em nenhum momento, deixa a desejar em seu papel. Ela sustenta o filme com uma atuação sofrida, tocante e marcante.

ALGUNS TRECHOS DO LIVRO

[...] um lugar onde um homem de bom coração puder ser bem sucedido como funcionário da lei, não pode ser um lugar ruim pra gente viver.
Na vida de uma pessoa há certos momentos em que não têm minutos verdadeiros, de maneira que a gente não sabe quanto tempo passou.
NOTA PARA O LIVRO: 4 estrelas
NOTA PARA O FILME: 3 estrelas

eclipse total - stephen king
CAPA DO LIVRO
  • Título Original: Dolores Claiborne
  • Autor: Stephen King
  • Editora: Francisco Alves
  • ISBN: 9788526503472
  • Comprar: Não consegui achar nenhum site que forneça esse livro.
 
dolores claiborne
POSTER DO FILME
  • Título Original: Dolores Claiborne
  • Diretor: Taylor Hackford
  • Ano: 1994
  • Duração: 2h 12min
  • Elenco: Kathy Bates, Jennifer Jason Leigh, Judy Parfitt, Chistopher Plummer, David Strathairn

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